sintropia vivendo a diversidade

“Se quisermos, poderemos fazer da Terra um excelente espaço para a vida. Na Terra haverá lugar para todos e todos se sentirão em casa; dela nascerá água e brotará comida em abundância. Seguindo o princípio incondicional de Amor e Cooperação, poderemos fazer da Terra o Paraíso. Se agirmos assim — como criadores de recursos, como seres humanos — não haverá necessidade de prisões, juízes, policiais ambientais para proteger áreas e, assim, criar ilhas permanentes de exclusão social. Se agirmos assim, poderemos fazer da Terra um lugar permanente de inclusão social, onde todos poderão participar da festa da vida.” (Ernst Götsch)

Vindo de Costa Rica — onde ensinou agricultura sustentável para cooperativas agrícolas — Ernst Götsch se estabeleceu em uma fazenda no sul da Bahia, no começo da década de 1980. Ocupou uma terra degradada e classificada como improdutiva — era a “Fazenda Terra Seca”.

Os proprietários anteriores, depois de explorarem o terreno, foram em busca de um novo local. Os que conheciam a região consideraram que o comprador fizera um péssimo negócio, uma vez que lá não seria capaz de cultivar nem mesmo abacaxi, cultura comum no local. O novo dono, agricultor e pesquisador suíço, experimentou plantar de acordo com as técnicas que vinha estudando havia muito tempo e, assim, conseguiu sistematizar o que chamou de Agricultura Sintrópica. Trinta anos depois, esse laboratório a céu aberto é a “Fazenda Olhos d’Água”.

Vamos entrar na onda verde da Agricultura Sintrópica para aprender a diversidade, um dos saberes que, juntamente com o olhar a complexidade e o cuidar do nosso campo de jogo, precisamos cultivar e incorporar nos diferentes espaços onde habitamos. Podemos até nos guiar pela ideia do poeta: “o verde é o elo entre o azul e o amarelo”. Fica o azul como símbolo da felicidade e o amarelo, a abundância de recursos que temos e podemos ter. A amarração é feita pelo verde, símbolo da esperança, aquela que nos faz andar.

agricultura sintrópica é uma prática que se orienta pelo dinamismo da natureza, o modo utilizado pela vida para usar as energias do universo. Parte do conceito de Universo como um macro organismo, habitado por muitos outros organismos. A Terra é um macro organismo e serve de morada para uma infinidade de seres. As relações entre todas as espécies e entre todos os indivíduos de uma mesma espécie se baseiam no princípio incondicional de Amor e Cooperação.

A vida age de modo que todas as espécies que apareceram ou aparecerão ou estão vivendo no presente, todos e cada indivíduo de todas as gerações vêm equipados para cumprir suas tarefas ou seus papéis, movidos pelo prazer inato e funcional. Além disso, todas as espécies vêm equipadas para se comunicar, fazem parte de um grande organismo vivo, um imenso sistema inteligente.

Olhando a espécie humana como parte de um organismo inteligente, podemos perceber que “precisamos agir de tal maneira que os princípios seguidos em nossas interações com os outros seres, estejam em sintonia com o princípio incondicional de Amor e Cooperação”. De acordo com essa lógica, esse é nosso modo inteligente de ser. Somos inteligentes não porque somos a forma mais elevada de inteligência, mas sim porque fazemos parte de um sistema inteligente.

Sob essa perspectiva, nós estamos verdadeiramente equipados para entender todas as outras espécies, assim como os outros estão equipados para entender a nós mesmos, e agir e reagir. Somo capazes de viver em relação harmônica com o Universo. Temos, também, consciência de que uma interação ou interferência desarmônica de uma ou de várias pessoas na natureza causa alterações dentro do macro organismo: o sistema natural se recusa a aceitar isso.

A palavra agricultura está ligada à ideia de cultura como o cultivo da terra, de modo a garantir recursos para uma boa sobrevivência: lembra o pagus (que dá origem a página), pedaço de terra cercado ou sítio, onde se cultivavam os víveres — plantas e animais. O termo cultura foi transposto para o cultivo e o cuidado das mentes, realizado nas páginas de cadernos e livros ou em sites da internet.

O adjetivo sintrópica, que qualifica a agricultura, nasce da sintropia vista como pulso da vida e se espelha no funcionamento de uma floresta. Antes de prosseguirmos nossa andança pela floresta, vamos relembrar os termos sintropia e entropia.

Sintropia tem origem grega e é formada por syn, que indica junto ou mesmo, e tropus que indica direção. Desse modo, sintropia significa seguir a mesma direção ou andar junto para o mesmo endereço. Quando qualificamos algo como sintrópico, trazemos a ideia de processo que parte do simples para o complexo: é movimento organizado e orientado para determinado fim, um ponto de convergência. Podemos estender o conceito de sintrópico por meio do termo simbólico, mais usado quando nos referimos à história humana. Simbólico vem de symballein e significa lançar (balein) junto (syn): lançar as coisas de tal forma que elas permaneçam juntas. Traz a ideia de complexidade e carrega o significado de reunir realidades, congregá-las a partir de diferentes pontos e fazer convergir diversas forças em um único feixe. No caso de sintropia, feixe é uma direção.

O sintrópico da floresta acontece quando muitas espécies de plantas são colocadas em um mesmo lugar, dispostas de acordo com princípios elaborados a partir de muita pesquisa e inúmeros experimentos: é o jeito de a ciência funcionar e fabricar uma teoria. Estudam-se os princípios ou leis obedecidos pelas plantas, descobrem-se padrões de comportamento e, com o tempo se chega a um novo modo de plantar. Na sequência, plantamos e vamos observando se nossa técnica funciona mesmo e, sobretudo, se ela pode ser melhorada. É como sentir o pulso da vida das plantas: é a forma de alimentar a teoria por meio da prática e de renovar a prática por meio de uma nova teoria.

O Ernst deve ter ficado assustado quando percebeu que a sintropia brota da entropia e que, sem entropia, não tem sintropia. Ainda mais que entropia é o contrário de sintropia. Entropia também vem do grego: en é prefixo que indica em ou dentro; faz o papel de in, seu colega latino. Assim, entrópico é processo que parte do complexo para o simples: traz a ideia de movimento que tende a desorganizar, a separar. É parecido com diabólico: vem de diaballein, que significa, literalmente, lançar coisas para longe, de forma desagregada e sem direção ou, em outros termos, jogar fora de qualquer jeito. Diabólico é, pois, tudo o que desconcerta, desune, separa ou opõe.

Na floresta, o entrópico acontece quando as folhas murcham, os galhos secam, e tudo vai apodrecendo, pela ação de micro-organismos, bactérias e fungos: é a fábrica da terra preta, da biomassa, da microbiota, responsável por tornar o solo fértil. É nesse solo que as sementes germinam e as plantas mergulham as raízes, possivelmente a parte mais importante de qualquer planta. Por ironia do destino, é a terra preta que faz nascer a vida da floresta.

De acordo com Felipe Caltabiano, agricultor em Planaltina (DF) e seguidor da agricultura sintrópica: ”quando a gente entra no fluxo natural das coisas, a gente cria uma dinâmica de enriquecimento muito forte. Enriquecimento do solo, melhorias na microbiota do solo (micro-organismos, bactérias e fungos). Você cria ambientes mais resilientes, protegidos do vento; a umidade melhora, o ambiente fica melhor para todos os seres que nele habitam. A força motriz não é simplesmente a produção, mas a otimização e regeneração de sistemas já existentes, através do manejo”.

Com sintropia e entropia, a floresta forma um ecossistema ordenado e bonito. A natureza, que faz florescer e murchar, viver e morrer, é um superorganismo vivo, um sistema aberto de interrelações, o que lhe confere unidade, totalidade, dinamismo e elegância. No florescer, o sistema é sintrópico; no murchar, entrópico. Olhar a sintropia e a entropia, o florescer e o murchar ou o viver e morrer como tendências ou movimentos complementares — e não como opostos — pode nos ajudar a compreender melhor a dinâmica da vida na floresta.

A partir dessa compreensão, a agricultura sintrópica defende que todas as espécies são parte de um macro organismo que funciona sob a lógica da cooperação e do amor incondicional à vida: nós, humanos, somos parte desse sistema e, em vez de exploradores, podemos ser criadores de recursos. Por acreditar na abundância dos sistemas naturais, a agricultura sintrópica tem como propósito fazer com que haja aumento de recursos: consiste em cultivar ou bem cuidar daquilo de que necessitamos em todos os espaços e usa como estratégia sincronizar a atividade humana com as leis que regem os processos naturais.

Todos nós carregamos sonhos, esperanças ou utopias, alimentados por alguns portadores privilegiados, por vezes, chamados de sonhadores, profetas ou visionários. São muitos os sonhadores ( os que desenham um futuro bom), profetas (os que falam olhando para frente), os visionários (os que enxergam para onde estamos indo). Todos eles insistem em dizer que temos nas mãos todas as cores para darmos ao Universo as cores que escolhermos. Quase todos são mal compreendidos e, mesmo, maltratados: é que estão um tanto fora de nosso modo de ver e de agir…

“Eu tenho um sonho: o de que, um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos senhores de escravos poderão se sentar juntos à mesa da fraternidade.” (Martin Luther King — Ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1964. Morreu assassinado em 1968, durante apoio a uma greve de trabalhadores da limpeza pública.)

“No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade”. (Chico Mendes — morreu assassinado em 1988, na porta de casa.)

“O Reino de Deus está no meio de vocês.” (Jesus de Nazaré — no ano 33, morreu assassinado.)

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