Laércio já estava com mais de 30 anos quando, mexendo nas pastas da mãe, veio a saber que fora diagnosticado com “retardo mental”. Na sua memória, os três meses em que ficou fora da escola, aos sete anos, foram férias com sua mãe, Zuleica: nem reparou que ela o estava alfabetizando. Zuleica contrariou o médico, não deu os remédios ao filho, solicitou à professora que lhe desse três meses, pediu licença do trabalho e ensinou Laércio a ler e escrever, a partir de jogos. Ao voltar para a escola, escrevia e lia muito melhor do que seus colegas… Laércio constatou que “diagnóstico não é destino”.
Esse fato, recontado com alteração de nomes dos personagens reais, nos ajuda a pensar sobre os três atores fundamentais e decisivos no trabalho educativo: os pais (a família), os professores (a escola) e as crianças. Partimos da ideia de educação como processo realizado por seres vivos e que, portanto, acontece em organizações vivas.
Feitas de seres vivos, as organizações vivas existem para empoderar seus membros. No caso da família e da escola, os membros são pessoas. Vem daí que, como organizações vivas, a família e a escola são feitas para tornar as pessoas mais poderosas. Em outros termos, a família e a escola são espaços que servem para instituir a sinergia entre pessoas, maravilha da matemática da vida que faz 1 + 1 valer bem mais do que dois. Em outros termos, é na família e na escola que começamos a nos educar e descobrir que “juntos somos mais”.
Assim como os seres vivos, as organizações vivas coexistem em rede, uma rede de interações e relações. Para melhorar essa rede de relações inter e intraindivíduais, a família e a escola investem em educação, um processo que tem como finalidade o aprender a ser, a viver e a conviver. Como seres vivos, recebemos o diagnóstico: nascidos sob o princípio incondicional do Amor e da cooperação; vêm equipados para cumprir suas tarefas, seus papéis, movidos por um prazer inato e funcional, e, ainda, vêm equipados para se comunicar. Esse diagnóstico é também nosso destino! Somo portadores, portanto, do vírus do amor: o remédio contra esse vírus está no bolso de cada um e só pode ser usado por quem deixar de ser criança!
A família e a escola são locais onde comparecem sujeitos vivos — crianças, pais e professores. Na condição de seres vivos, todos estão equipados para fazer parte de uma rede de aprendizagem. Todos, por serem humanos, são capazes de participar do processo educativo, de modo que se tornem políticos (saibam viver juntos), se tornem éticos (saibam agregar valores ao que sabem fazer), se tornem estéticos (saibam conhecer as bonitezas da vida) e se tornem ecológicos (saibam cuidar da casa — a casa corpo, a casa cidade, a casa Terra…).
Essas qualidades nos ajudam a desenhar o perfil dos seres humanos que pretendemos educar. Esse perfil se posta como horizonte ou endereço, rumo ao qual caminhamos; ele dá sentido e orienta todas as ações e processos que implantamos na família e na escola. Ao mesmo tempo que surge como horizonte, o perfil serve como critério para avaliarmos o quanto já andamos e o quanto ainda podemos andar: é a avaliação processual que sempre deveria trazer o “você já fez muito e, por isso, pode fazer ainda mais”. A avaliação pode servir de incentivo e de ótimo desafio!
Essa percepção de família e de escola deixa transparecer que qualquer espaço que pretenda educar precisará se instituir como local de vidas e relacionamentos compartilhados entre muitos adultos e muitas crianças. Como organismos vivos, a família e a escola se assemelham a uma construção em constante evolução e, portanto, em contínuo ajuste. Certamente precisamos ajustar nosso sistema de tempos em tempos, enquanto o organismo percorre seu curso de vida: é como aqueles navios-pirata, obrigados a consertar suas velas e, ao mesmo tempo, manter seu curso no mar. Nesse sentido, enquanto aprendemos a viver, estamos vivendo.
São os adultos que respondem pelo processo de educação das crianças em todos os espaços, de modo especial, na família e na escola. Além de terem o mesmo objetivo educacional, família e escola precisam unir esforços para, navegantes de um mesmo barco, construírem ambientes amistosos, onde crianças, famílias e professores sintam-se confortáveis. Escola e família podem se tornar locais privilegiados onde cada indivíduo tem a certeza de fazer parte e de ser gostado: parece ser esta a receita infalível para criarmos o hábito de cuidar e gostar, o modo de colocar em prática o “quem ama cuida” e experimentar o “quem cuida ama”.
A participação das famílias na escola exige que os adultos, pais e professores, façam múltiplos ajustes. Do lado da escola, os professores, que lidam diretamente com as crianças, precisam ter o hábito de questionar suas certezas, precisam possuir uma sensibilidade imensa e estar disponíveis. A mais disso, os professores devem assumir um estilo crítico em relação às pesquisas e um conhecimento continuamente atualizado sobre as crianças. É de fundamental importância que os professores abram espaços para conversar a respeito das crianças com os pais, cultivem a habilidade para falar, ouvir e aprender com as crianças e os pais.
Do lado da família, os pais, que têm um contato mais intenso com as crianças, se caracterizam como aqueles que as acolhem e as nutrem: respondem pelo enraizamento de novos seres vivos em solo bom e fértil. Família, termo latino derivado de famulus (aquele que presta serviço), se configura como local de serviço à vida. Sob a lógica da vida, pais não são aqueles que reproduzem, mas sim aqueles que amam, ou seja, aqueles que seguem o princípio incondicional do Amor e da cooperação. Amor, na visão da vida, significa “reconhecer o outro como legítimo outro”. É essencial que família e escola dialoguem, assumindo a vida como critério na escolha da direção a seguir e das ações a serem desenvolvidas.
Responder a todas essas demandas exige dos educadores, família e escola, um questionamento constante sobre as ações e os processos implantados, devendo deixar para trás o modo isolado e silencioso de trabalhar. É preciso descobrir modos de comunicar e documentar as experiências crescentes das crianças na família e na escola e, com isso, preparar um fluxo constante de informações de qualidade, voltado aos pais e professores, mas também apreciado pelas crianças. Esse fluxo de documentação pode apresentar aos pais e aos professores um conhecimento palpável, capaz de mudar expectativas. Família e escola reexaminam seus papéis como pais e professores, questionam as próprias suposições e melhoram suas visões sobre a experiência vivida pelas crianças. Normalmente, tal procedimento leva a uma nova e mais crítica abordagem de toda a experiência educacional.
Para as crianças, família e escola oferecem percursos de aprendizagem. São propostas pensadas como oportunidades que, sob nossa ótica, apresentam maior probabilidade de conduzirem à formação de pessoas com o perfil que imaginamos. Muitas vezes, nossas sugestões deixam de lado as crianças, mesmo quando afirmamos que elas ocupam o foco do processo formativo. Parece que precisamos aprender a escutar as crianças, permitir que tomem a iniciativa e, também, orientá-las de maneira produtiva. A troca de experiências entre família e escola pode nos ajudar a melhorar a eficácia de nossas ações educativas: atuando juntos, podemos conseguir resultados jamais sonhados quando agimos isoladamente, cada um cultuando as próprias certezas. Como seres vivos, equipados para nos comunicarmos, nada mais natural do que pularmos os muros e construirmos pontes.
Quem busca na vida algo colher
deve procurar a semente, não a sombra.
É na terra e não no céu que se cultiva o paraíso!
(Andrea Pizzarro Clemo)