gerenciamento de pessoas

Estima-se que a biosfera terrestre, conjunto de todas as partes da Terra onde existe ou pode existir vida (litosfera, hidrosfera, atmosfera), tenha se formado há cerca de 3,8 bilhões de anos. Nos oceanos, com a combinação de 20 aminoácidos, irrompeu a primeira célula viva. Alguns cientistas chamam a biosfera de ecosfera, literalmente a esfera que serve de casa para a vida.

Olhando a Terra como a Terra Mater, podemos dizer que a vida é por ela gestada e gerada. A Terra é um pequenino planeta que gira em torno do Sol, uma estrela de quinta grandeza, situada em um canto da Via Láctea, uma dentre as bilhões de galáxias que formam um Cosmos em constante expansão. Como a Terra está dentro do Cosmos, podemos afirmar que a vida é gestada e gerada pelo Cosmos. Sob essa perspectiva, a Terra e o Cosmos são organismos vivos. Assim como o filho é a maior expressão da mãe, a vida é a maior expressão da Terra e do Cosmos.

Seria muita pretensão pensar que somente nossa Terra foi capaz de criar a biosfera. Cientistas estimam que existam bilhões de planetas com capacidade semelhante. Para o biólogo Christian de Duve, prêmio Nobel de biologia de 1974, “A vida é parte integrante do Universo; é sua parte mais complexa e significativa”. Nós estamos enviando robôs a Marte, a fim de verificar se lá existem condições de vida. Talvez um dia, possamos viajar para fora do sistema solar. Por enquanto, a casa que temos é a Terra e o mínimo que precisamos fazer é cuidar de nossa casa. Mesmo porque, pelo visto, não teremos um segundo planeta.

Em todos os campos do conhecimento, aparecem investigadores que buscam detalhar o caminho que permitiu o surgimento da vida. A partir da análise dos rastros deixados nos dados disponibilizados, astrônomos ou filósofos, físicos ou religiosos, poetas ou prosadores escrevem teorias. Assim existem inúmeras teorias, cada uma delas defendendo a sua verdade, construída de acordo com seu objeto ou problema de estudo. Toda ciência busca fundamentar e tornar sólida sua teoria, o seu modo de ver o objeto de seu interesse. Nesse sentido, podemos dizer que toda ciência é verdadeira porque busca a verdade. Entretanto nem todas são igualmente verdadeiras porque os alicerces nem sempre têm a mesma veracidade. Vem daí a nossa constante exigência de apresentação de provas, ou seja, de comprovação do que está sendo afirmado.

Vamos analisar o caminho da vida, ou seja, como é que os seres vivos vivem, guiados pela Teoria de Santiago, elaborada por Humberto Maturana e Francisco Varela. Na década de 70 do século passado, o biólogo chileno, Humberto Maturana, demonstrou, junto com seu ex-aluno e compatriota, Francisco Varela, que a vida resulta da articulação de três dados básicos: o padrão de organização, a estrutura do sistema vivo e o processo aberto que agiliza continuamente padrão e estrutura. Vamos examinar brevemente estes três conceitos-chave.

Para fixar ideias, pensamos na diferença existente entre um cavalo robô, um cavalo vivo e um indivíduo humano. O termo robô foi inventado pelo escritor tcheco Karel Chapek e aparece na peça para teatro “A fábrica de robôs”, na tradução brasileira. Vem da palavra tcheca robota que significa trabalho forçado, exercido de forma compulsória ou trabalho escravo. Robota virou robot no francês ou inglês e robô, em português. Vem daí robótica como arte de fazer robôs. “A fábrica de robôs” conta a história de um cientista brilhante, chamado Rossum. Ele desenvolve uma substância química similar ao protoplasma que ele utiliza para a construção de humanóides. Seu intuito é fazer seres parecidos com os humanos, que sejam obedientes e realizem todo o trabalho físico.

Ao contrário dos robôs, cujas funções de controle são inseridas por projetistas humanos, os organismos vivos governam a si próprios. E, além disso, os seres vivos mantêm sua forma mediante o contínuo intercâmbio e fluxo de componentes químicos, que são criados pelo próprio corpo. Quando essa autocriação ou auto-organização termina, o ser vivo morre. O singular dos seres vivos reside no fato de eles se autoproduzirem e continuamente se autocriarem em rede. Cada componente ajuda na criação, manutenção e regeneração do outro e todos do conjunto, formando um sistema integrado e dinâmico.

Todo ser vivo, desde a molécula até sociedades avançadas, apresenta um padrão de auto-organização, chamado de autopoiese, termo cunhado por Maturana unindo duas palavras gregas: auto (para si mesmo) e poesis (criação). Os seres vivos são sistemas autopoiéticos moleculares, ou seja, sistemas de moléculas que se autoproduzem. E a realização dessa produção de si mesmo como sistemas moleculares constitui a vida.

Podemos pensar, por exemplo, em um corte feito na perna: passamos um antisséptico, colocamos esparadrapo ou damos pontos. O curativo ajuda o corpo na cicatrização; mas quem efetivamente se cura é o corpo. A auto-organização dos seres vivos pode ser vista como a maneira de as partes se relacionarem entre si “de tal modo que possamos distinguir uma abelha de um cavalo, um cavalo de um ser humano e um ser humano de uma sociedade concreta como a brasileira, por exemplo”.

Além da organização, na qual o ser vivo se auto cria e se auto-organiza por dentro, como sistema fechado, precisamos considerar suas combinações e relações com os materiais físicos, químicos e ambientais: elas fazem surgir a forma própria, o padrão ou a estrutura do sistema vivo. Assim, por exemplo, o padrão urso aparece como urso branco, urso pardo, urso preto ou urso panda. Todos são ursos, mas do seu jeito, com sua estrutura própria. Astrônomos enxergam a Ursa Maior e a Ursa Menor, desenhadas no céu.

Tanto o padrão de auto-organização quanto a estrutura do sistema vivo estão sempre em movimento, adaptando-se face ao meio ambiente, superando dificuldades, ganhando estabilidade. É o processo vital, aberto, inacabado e sujeito à evolução. Sob essa lógica, a vida resulta de um processo de auto-organização extremamente complexa da matéria e da energia do universo: é a teia da vida que vai se constituindo por meio de infinitas conexões ocultas. Esse processo tem a idade do Universo, vem desde o início, denominado por cientistas de princípio fundante ou energia inicial. À medida que evolui, a vida vai adquirindo maior complexidade e, para nós humanos, a vida emerge na forma singular, consciente, inteligente e amorosa de homo sapiens.

Podemos, com esses conceitos, examinar a diferença entre um cavalo robô, o ser vivo cavalo e o homo sapiens. O robô é programado e executa as ações, comandado por um algoritmo. Os dois outros, cavalo e homo sapiens se auto programam. Todos eles estão preparados, têm uma estrutura que lhes permite intervir na biosfera. Podemos dizer que todos eles agem de maneira inteligente, porque trazem dentro de si conhecimento que, para Immanuel Kant (1724–1804), é “ciência organizada”. Se cada um pudesse falar, diria “eu sou capaz de fazer”. Dos três o único que tem consciência é o “homo sapiens” porque sabe por que faz e para que faz. É a consciência que possibilita ao homo (feito de húmus) ser sapiens, agir com sabedoria que, para Kant, é a “vida organizada”.

Leonardo da Vinci (1452–1519) representou essas dimensões do homo sapiens ao desenhar o Homem Vitruviano, baseado na obra do arquiteto romano, Marcus Vitruvius Pollio (81 a.C. -15 a.C.). No desenho, podemos perceber a ligação do homem que, por meio de sua estrutura corporal, usa a razão e a ciência para se relacionar com a biosfera. E nesse relacionar-se na biosfera terrestre, se relaciona com a biosfera cósmica.

Os cristãos representam o homem por meio da cruz ou, se preferirmos, por meio do Cristo do Corcovado: braços abertos, indicando o relacionar-se com o horizontal (tudo o que temos em nossa volta na biosfera); em pé indicando o relacionar-se com o vertical (tudo o que temos na biosfera cósmica). Podemos mesmo dizer que tudo o que fazemos na Terra está ligado com o Cosmos. Na visão de Jesus de Nazaré, “tudo o que ligares na Terra será ligado no Céu) ou “tudo o que fizerdes ao menor dos meus a mim o fareis”.

O homo sapiens é, também amoroso. Significa que sua relação com a biosfera deve ser fundada no amor que, segundo Maturana, consiste em reconhecer o outro como legítimo outro. Com a prática desse amor na biosfera terrestre, concretizamos o amor na biosfera Cósmica. Mais uma vez damos razão ao judeu, Jesus de Nazaré: “Amarás ao senhor teu Deus acima de todas as coisas” e, para tanto, “amarás ao próximo como a ti mesmo”. Nosso próximo é a biosfera terrestre e nosso Deus é a biosfera cósmica.

Terminamos com o camponês que olhava uma carroça passando pela estradinha. Perguntado sobre “qual a diferença entre a carroça, o cavalo que a puxava e o carroceiro”, respondeu: “O carroceiro é o único que sabe para onde os três estão indo”. Essa é a lógica necessária para quem pretenda gerenciar uma organização viva onde compareçam robôs, seres vivos e humanos. O próprio do ser humano é o “agir local e pensar global”. Nosso local é a Terra e nosso global, o Cosmos.

Há cinco anos, Maturana e a Ximena Dávila visitaram o Dalai Lama, líder religioso e político que vive na Índia, cuja extensa oposição à ocupação do Tibete por parte da China lhe rendeu o prêmio Nobel da Paz em 1989.

Em seu site, Dalai Lama descreve Maturana como um “cientista cuja santidade sempre cito, uma pessoa que disse preferir não se ater apenas ao seu campo de pesquisa porque atrapalha a objetividade”.

Embora tenham conversado sobre temas variados como o funcionamento do cérebro, a linguagem e os sentimentos de plantas e animais, Maturana lembra de um diálogo particular sobre a vida.

“A conversa foi essencialmente sobre como vivemos, que tipo de vida estamos levando e como estamos atuando como seres humanos”, contou. “Nesse sentido, foi uma conversa filosófica e, também, biológica”.

Maturana detalhou: “Ele disse que havia aprendido comigo o tema do desprendimento, porque em algum momento havíamos conversado sobre isso”.

“Com Ximena mostramos que, nas relações humanas, o fundamental é ouvir um ao outro, mas para isso temos que deixar o outro aparecer sem prejulgar preceitos, premissas ou exigências. Isso é desprendimento, segundo o Dalai Lama”, explicou.

De acordo com o biólogo, o líder tibetano lhe disse: “Você tem razão”. E, em caráter filosófico, ainda acrescentou: “A coisa central na coexistência é ouvir um ao outro para poder fazer as coisas juntos com respeito mútuo.”

(Reproduzido de Ana Pais (@_anapais) — 06/03/2019)

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