Ao descrever seu consultório, Rubem Alves, teólogo e psicanalista, diz: No meu escritório tenho dois quadros, duas pinturas. Um desses quadros representa uma paisagem luminosa, de cores bem acesas, onde as flores se recortam nitidamente sobre o prado verdejante, com montanhas que mergulham seus alto no azul do céu. Vendo-o pela primeira vez, as pessoas que entram exclamam: ‘Que bonito!’. Mas ficam por aqui, pois a transcendência diz tudo o que há para dizer e a conversa acaba.
O outro quadro representa um bosque, denso e profundo, com formas vagas, o arvoredo indistinto, um caminho solitário que se perde na névoa misteriosa e difusa… Quando olham, as pessoas param, não sabem bem o que pensar, mas, depois do silêncio, desponta o começo de uma conversa demorada… ‘Pergunto-me’ dizem-me, ‘o que existirá por detrás da névoa, por detrás das árvores, por detrás da obscuridade?’ Realmente aqui o visível é só a margem discreta que sugere o invisível, o indizível, o desconhecido.
A escuta atenta que nos dispomos a fazer nos diferentes espaços que frequentamos desperta em nós perguntas como, por exemplo, “O que é?”, “Para quê? e “Por quê?”. São perguntas que nos incitam a descobrir o que se esconde por baixo das aparências, o que vai por dentro das coisas ou dos outros, numa tentativa de trazer à superfície aquilo que está encoberto. Escutar ou escavar, nesse cenário, está intimamente relacionado com a busca de resposta, um processo que podemos chamar de pesquisa.
Sob a perspectiva de processo em que se formulam perguntas e se buscam respostas, o termo pesquisa descreve os caminhos individuais e coletivos que levam a novos mundos possíveis; pesquisa é a revelação de um acontecimento. Assim, pesquisa descreve a tensão cognitiva que ocorre sempre que são realizados processos autênticos de construção de conhecimento. A pesquisa é vista como arte: assim como na arte, a pesquisa busca o que existe dentro do ser, a essência, o sentido das coisas. Com esses significados, podemos caracterizar a pesquisa como esforço vital que pode ser comum a crianças e adultos dentro de todo espaço educador.
Quando, como adultos, organizamos espaços educadores, podemos neles mergulhar como seres fechados, portadores de nossas verdades e certezas ou, então, como seres abertos, exploradores em permanente evolução, movidos pela curiosidade, o desejo, a dúvida e a incerteza. Vale lembrar que as escolhas que fazemos refletem nossa teoria – nossa visão de mundo e dos seres que nele moram – e, também, nossa cultura, nosso modo de conviver e habitar no cosmos.
Com a primeira dessas opções, construímos espaços onde estão ausentes tanto a pedagogia da escuta quanto a pedagogia da pesquisa. Nesses lugares penduramos somente quadros bem definidos, próprios para serem olhados de modo ligeiro e um tanto superficial. Na criação de espaços educadores frequentados por crianças – família e escola, por exemplo – essa opção traz nela embutido nosso modo de ver as crianças como seres frágeis, carentes e incapazes, baús a serem preenchidos.
Com a segunda escolha , criamos ambientes que favorecem a experiência do escutar e do pesquisar e as crianças são vistas como protagonistas, seres ativos, competentes e fortes: junto com os adultos elas são exploradoras e buscadoras de significados. O conhecimento assume a condição de algo em permanente construção: crianças e adultos aprendem enquanto vivem e vivem enquanto aprendem. Desse modo, todo espaço educador passa a se caracterizar como local de escuta e de pesquisa ou, em outros termos, um lugar onde se vive.
As considerações aqui apresentadas nos permitem perceber que, em espaços onde pretendamos trabalhar com a educação de pessoas, precisamos criar uma cultura de escuta e de pesquisa. Esta atitude de escuta e de pesquisa se apresenta como a abordagem existencial e ética, viável dentro de uma realidade cultural, social e política. É uma atitude que explicita a constante busca de valores, sempre atenta a uma realidade sujeita a mudanças e rupturas, em um universo de raças e culturas, todas elas “convencidas de que, dentro de um ecossistema, nossa jornada terrena é uma jornada que acontece junto com o meio ambiente, a natureza, o cosmos”.
No centro de espaços educadores, em especial, na família e na escola, está a criança capaz de escutar e pesquisar, munida de capacidades para se relacionar com o ecossistema onde mora e, nesse relacionamento, construir seu próprio aprendizado. São crianças que, na troca e na relação com as outras crianças e adultos, conhecem o mundo, fazem perguntas, realizam experiências, formulam hipóteses e teorias para explicar fenômenos ou para comunicar ideias e sentimentos. E, nesse construir o mundo, elas próprias vão se construindo.
Sob essa perspectiva, a pesquisa compartilhada entre adultos e crianças passa a ser uma prática do dia a dia, uma atitude que permite aproximar, investigar e compreender a realidade. A pesquisa – tornada visível por meio de múltiplas linguagens – constrói a aprendizagem, reformula o que nós já sabemos, é a base para nossa a qualidade pessoal e profissional e se constitui como elemento de constante renovação.
Escola é o lugar onde se faz amigos;
não se trata só de prédios, salas, quadros,
programas, horários, conceitos.
Escola é, sobretudo, gente;
gente que trabalha, que estuda;
que alegra, se conhece, se estima.
E a escola será cada vez melhor,
na medida em que cada um se comporte
como colega, amigo, irmão. (Paulo Freire)