– Hoje você não estudou nada!
– Não, mãe! Hoje eu estou estudando o dia inteiro!
– Como assim? … Estudando o dia inteiro? … Não vi você pegar em um livro!
– Meu professor falou, na aula virtual da semana passada, que a gente estuda quando brinca de super herói, assiste um filme, joga videogame, faz parkour, pratica esporte, anda na rua, lê um livro, ouve uma música, vai para a escola! … Eu até estou achando que seu professor não sabia disso!
O diálogo entre mãe e filho, um de meus assessores para assuntos pedagógicos, terminou com um materno e prolongado “Tá bom!”.
Provavelmente, frequentamos escolas que nos ensinaram, e nós aprendemos, a pensar as coisas de modo separado: português não tem nada a ver com história, matemática nada tem a ver com geografia e, muito menos, música com ciências naturais. As propostas curriculares eram feitas separando as disciplinas, cada uma delas ocupando “seu quadrado” ou “sua fôrma”. Postas em série, as disciplinas eram ministradas por professores, também eles separados e trazendo suas próprias receitas. Ao final das séries, festejávamos a “formatura”, com vontade de jogar os livros no fogo, com os professores no meio.
São muitas as escolas que, refletindo sobre a própria prática e fundamentadas em outra visão de conhecimento, estão melhorando o modo de trabalhar nessas instituições. Em vez de se caracterizarem como multidisciplinares (muitas disciplinas separadas), buscam ser interdisciplinares (muitas disciplinas interligadas). Nesse intuito, trabalham com projetos, estudos de caso, aprendizado por meio de problemas (PSL). Tal enfoque traz maior probabilidade de interligar o trabalho escolar com a realidade, mesmo porque a realidade é de natureza interdisciplinar. Um passo adiante, pode nos levar a escolas transdisciplinares, quando as disciplinas são vistas sob a perspectiva da evolução, do ir mais adiante, e não como algo pronto e definitivo .
À vista disso, podemos sugerir ao professor do menino um diálogo bem gostoso com o professor da mãe: sem desfazer do que já foi feito, é possível melhorar nosso jeito de desenvolver o trabalho escolar. Para tanto, uma pista é deixar de pensar em cabeças cheias e adotar a ideia de cabeças bem-feitas. Isso nos ajuda a direcionar todo o processo educativo, em qualquer instância onde se aprenda.
A mais disso, podemos sugerir ao menino filial e amoroso diálogo com sua mãe: sem diminuir o desejo e a insistência da mãe para que seja um bom estudante, é vital perceber que estamos sempre estudando, qualquer que seja a atividade empreendida e o espaço onde a realizemos. Essa é a maneira de criar sujeitos pensantes, capazes de navegar no oceano de informações, moradores que somos na sociedade do conhecimento.
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos,que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la,teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” (Fernando Teixeira de Andrade)