Dentro da semana em que o @girotondobh aborda a diversidade, apareceu o dia 18 de junho, Dia Mundial do Orgulho Autista. O evento pode nos fazer refletir a respeito de um dos grandes movimentos sociais de nossos tempos, orientando esforços da sociedade no sentido de acolher, em suas várias instituições todas as pessoas, quer sejam portadoras de certas deficiências quer se apresentem com altas habilidades.
Vamos aproveitar a lembrança trazida por essa data para olharmos um dos aspectos desse acolhimento: a inclusão escolar. Podemos ter presente uma das ideias basilares da sintropia: “A vida age de modo que todas as espécies que apareceram ou aparecerão ou estão vivendo no presente, todos e cada indivíduo de todas as gerações vêm equipados para cumprir suas tarefas ou seus papéis, movidos pelo prazer inato e funcional. Além disso, todas as espécies vêm equipadas para se comunicar, fazem parte de um grande organismo vivo, um imenso sistema inteligente.”
Essa ideia, aprendida no funcionamento da floresta, serve também para a sociedade e para qualquer uma de suas instituições: assim como a floresta, a sociedade também é generativa e regenerativa; a sociedade é, por natureza, auto sustentável. Acolher a diversidade leva a questionar modelos de educação que excluam pessoas consideradas deficientes ou que, por qualquer motivo, não se adaptem ao sistema escolar. Sob essa perspectiva, precisamos passar de um modelo de escola de integração (o aluno tem que se adaptar à grade escolar) para um modelo de inclusão (a escola precisa se adequar para acolher a diversidade).
No modelo de integração educacional, também chamado de instrucional, o trabalho escolar baseado em conteúdos prontos e acabados, é tarefa da escola estabelecer um currículo; cabe ao professor formular percursos de aprendizagem a partir das matérias da grade curricular. Compete à escola prover meios para que o aluno se adapte (se integre) ao que é proposto. É comum, na escola pensada como instância de integração, que os educadores observem e comentem mais ou apenas as deficiências e as dificuldades do educando, fazendo comparações com as crianças consideradas normais. Criamos, dessa forma, a escola conteudista, a do professor que dá a matéria e tem como objetivo cumprir o programa: é uma escola voltada para o ensino; só cabe nesse tipo de escola o aluno “normal”.
Já sob a ótica da educação inclusiva, é o espaço escolar que precisa se adequar ao alunado, com base na percepção de que o desenvolvimento integral do ser humano pressupõe a garantia do direito à diferença: é este direito que se constitui como principal fundamento do direito de todos à educação. Podemos instituir, desse modo, uma escola inclusiva, sendo o professor alguém que se coloca em atitude de ajuda: a escola vira um espaço onde o ensino é utilizado como ação para educar, ou seja, o centro de atenção é a aprendizagem, a arte de viver. Nessa escola, o normal é a diversidade.
Na ótica da inclusão, a educação é um bem a que todos têm direito e que, portanto, os objetivos da educação são os mesmos para todos, independentemente das condições de cada indivíduo. Desse modo, o principal argumento da inclusão escolar é garantir que todos os cidadãos são membros igualmente importantes da sociedade e que a diversidade enriquece a comunidade escolar. Esse espaço é constituído por meio de ações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na oferta de oportunidades de desenvolvimento em todas as dimensões da vida.
Acolher a diversidade impulsiona os atores educacionais na busca por novas formas de se instituir e gerenciar o processo de ensino e aprendizagem. Na educação inclusiva, é preciso avaliar e elencar os aspectos positivos do educando, seu comportamento e habilidades, já que todo processo educacional tem como propósito o desenvolvimento dessas habilidades. São de maior interesse a avaliação de potencialidades, a orientação de metodologias e o planejamento de propostas, destinadas à organização de espaços e materiais escolares. O propósito é a criação de lugares onde se torne provável a inclusão de todos e se leve em conta a diversidade dos atendidos.
Embora seja o modelo defendido pela legislação vigente e esteja sendo aplicado em todo o país, a escola inclusiva ainda enfrenta resistência, sobretudo entre organizações e famílias de pessoas com limitações intelectuais mais graves, sob a alegação de que falta preparo ao professor e à escola para atender esse público de forma satisfatória, além de dar a ele segurança e acolhimento adequados. Podemos superar essa dificuldade se começarmos a acreditar que uma escola inclusiva é construção coletiva de pais e professores, de famílias e escolas… Sem nos esquecermos de que nela não podem faltar os alunos! Ao precisar optar entre matar a fome ou quem tem fome, escolhemos, às vezes, matar o faminto.
Vale lembrar que os profissionais da educação que atuam no espaço escolar precisam se submeter a um contínuo processo de aprendizagem, no qual a prática seja revista e repensada, tendo em mente a educação inclusiva, cuja meta é a construção de uma sociedade para todos. É a percepção dessa finalidade que dá significado e articula as diferentes ações e processos implantados pela escola. É também essa finalidade que impulsiona a introduzir mudanças e ajuda a enfrentar os muitos desafios que surjam, em particular os que brotem do desconhecimento a respeito das reais possibilidades de pessoas com deficiência.
As constatações aqui feitas configuram o trabalho educacional como empreendimento coletivo e multidisciplinar; apontam para a necessidade do concurso de profissionais que embasem e orientem suas ações . Parece ser este o caminho que leva à educação inclusiva, no qual se atenda a exigência humanizadora de aprender a conviver com a diversidade e se estabeleçam processos democráticos inclusivos, destinados a garantir direitos iguais a todos os cidadãos, independentemente de suas características individuais.
Almejamos um sistema escolar inclusivo, cuja comunidade se mobilize frente ao desafio de conseguir que todos os alunos, sejam quais forem suas diferenças, consigam sucesso na aprendizagem, tenham oportunidade de se tornarem independentes e autossuficientes, se preparem de modo efetivo para encontrar um lugar na sociedade.
“Queridos irmãos e irmãs, que nos tornemos a primeira geração a decidir ser a última [a ficar fora da escola].
As salas de aula vazias, as infâncias perdidas, o potencial desperdiçado — que tudo isso se encerre conosco.
Que esta seja a última vez que um menino ou uma menina desperdice sua infância em uma fábrica.
Que esta seja a última vez que uma garota seja obrigada a se casar na infância.
Que esta seja a última vez que uma criança inocente perca a vida na guerra.
Que esta seja a última vez que uma sala de aula permaneça vazia.
Que esta seja a última vez que se diga a uma menina que a educação é um crime e não um direito.
Que esta seja a última vez que uma criança permaneça fora da escola.
Que comecemos nós a encerrar essa situação.
Que sejamos nós a dar um fim a isto.
Que comecemos a construir um futuro melhor, aqui, agora.”
(Malala Yousafzai — Discurso feito em 10 de dezembro de 2010, na entrega do Nobel da Paz)