a licao da semente

O semeador saiu a semear sua semente. Ao semeá-la, uma parte da semente caiu ao longo do caminho, foi pisada e as aves do céu a comeram. Outra parte caiu em lugar pedregoso, e, tendo germinado, secou por falta de umidade e porque a terra era pouco profunda. Outra ainda caiu no meio dos espinhos, e os espinhos, nascendo e crescendo com ela, a abafaram. Outra parte, finalmente, caiu em terra fértil, germinou, cresceu e produziu fruto à razão de cem, sessenta e trinta por um. (Parábola do semeador — Jesus de Nazaré)

Para falar sobre a vida, concretizada por meio de nossas relações com os outros e com todo o ecossistema onde habitamos, Jesus de Nazaré, a exemplo de outros mestres, usava parábolas. A palavra parábola é feita de dois termos gregos: para que significa longe e balein, usado para dizer jogar. Assim, parábola traz a ideia de jogar longe e, literalmente, faz um apelo ao mundo da imaginação e do sentimento. Ela tem uma finalidade parecida com a da fábula, palavra que vem do verbo latino fabulare, que significa falar, conversar, contar histórias.

A palavra oral ou a fala, característica dos humanos, acontece entre pessoas, vem na forma de diálogo e se caracteriza como energia que une ou separa as pessoas. A ligação ou comunhão de pessoas faz surgir uma onda de sujeitos. Ela se assemelha a uma procissão, um grupo de gente que vai atrás de algo ou alguém, que julga ser valioso e ser verdadeiro. Traz também a ideia de prosperidade (de pro — para frente + esperar — de ter horizonte) como o correr atrás do sonhado. Sob essa perspectiva, a palavra oral, sopro que vem de dentro de quem fala, desperta o emocional, ou seja, coloca em movimento as pessoas que dialogam.

Na parábola do semeador, aquele que fala, podemos ver a semente como a palavra e os diferentes lugares como aqueles que a recebem. Ouvir parábolas ou histórias é oportunidade de abrirmos um momento de contemplação e de comunicação, caracterizado como exercício do pensar, falar, calar e meditar. Por meio das palavras, as pessoas se encontram e “o vazio entre os humanos ganha subsistência através da voz de quem conta um conto”.

A comunicação oral se dá face a face. Ela nos apresenta os interlocutores respirando na frente um do outro. A palavra transita envolvida pelo contexto (o volume, a entonação, as expressões de quem fala e de quem escuta). É a palavra viva e multidimensional, aprendida de cor (de coração) e falada de coração. Essa comunicação oral está na base do contato entre pais e filhos, vem no colo e no leite, vem na comida partilhada em torno da mesa. Esse é o terreno fértil que faz nascer a semente, abre espaço para que lance raízes profundas que a alimentam e lhe dão sustentação.

Com o surgimento da escrita e dos muitos meios de comunicação, a palavra passou a ser gravada em páginas oferecidas por diferentes tecnologias. Ganhou inúmeras possibilidades de viajar, embrulhada em objetos físicos ou virtuais. Maravilhosos instrumentos de comunicação levam a palavra por todos os lugares, sempre à procura de um bom terreno para frutificar. Misturadas às sementes de trigo, chegam as sementes de joio. Na pressa de separar umas das outras, corremos o risco de eliminar as duas. A sabedoria nos aconselha a esperar a colheita, quando poderemos guardar o trigo e queimar o joio.

Antes da escrita e da internet, a palavra oral tinha o poder de reunir todos em volta de um relato. Com o surgimento tanto da escrita quanto das redes sociais, ocorre uma cisão entre aqueles que podem escrever e relatar e aqueles que não o fazem. A escrita e a internet, além de modificarem intensamente o pensamento e a prática humana, reforçam “a divisão entre os privilegiados escribas e leitores e os “outros”, alijados do poder da marca e da decifração. Claro que a maioria se encontrava e se encontra, ainda hoje, no segundo grupo”.

A palavra que nos chega através dos diferentes meios de comunicação, não raro, se apresenta de forma fragmentada e, como palavra semeada, orienta nosso agir cotidiano de maneira dispersa. Seguimos em frente sem olhar para trás, sem olhar para os lados e, por vezes, andamos para frente em busca de algo que nem mesmo sabemos o que é. Escolhemos ir para frente, rápido, sem refletir, movidos por ilusões de bens de consumo e, atiçados por mídias superficiais, quase sempre nos distraímos à procura de novidades. Tal condição, vivida em um mundo globalizado, sugere a necessidade do aprendizado de uma leitura contextualizada — e com autoria declarada — que nos torne capazes de organizar informações, transformá-las em conhecimento e deste fazer uso para organizar um modo de viver.

Com todas as facilidades de comunicação colocadas a nosso dispor, temos presente que é no convívio com os outros que aprendemos a falar, formamos a linguagem como algo vivo, solto, dinâmico, dotado de grande poder. Na troca do ar que respiramos é que constituímos os grupos humanos e é na oralidade que sobrevivemos. A palavra nos move e nos faz desejar compreender o mundo que nos envolve, sua natureza e a sociedade em que vivemos. Ela nos ajuda a ordenar o mundo, a dar-lhe sentido e significado. É ela a fonte primeira das criações artísticas e dos relatos míticos. Nossa história se alimenta de nossos sonhos, nos ensina a que sonhos pertencemos e nos leva a descobrir caminhos para a própria vida.

O germinar, crescer, o florescer e o produzir frutos dependem do terreno que recebe a semente escolhida. Terrenos humanos que recebem a palavra, somos munidos de todas as capacidades necessárias para nos relacionarmos com todos os seres viventes e tudo o que encontramos no ecossistema que habitamos. Nosso ecossistema sempre estará aqui, exuberante, diante de nossos olhos, afetos e histórias, vivo e em constante evolução, parecendo inesgotável em acontecimentos. Basta que aprendamos a cuidar, olhar com atenção, respeitar e entender que nós somos parte de um universo que dança em torno da vida.

A literatura e a arte se apresentam como ferramentas decisivas no prestar atenção ao que nos rodeia, no escutar as muitas palavras por meio das quais o universo se manifesta e no atender seu constante convite ao viver. A palavra do autor vem adormecida em cada livro ou obra de arte e fica à espera de quem lhe empreste a voz.

Ainda hoje, um poema só existe se for dito. É preciso conhecê-lo e, para dar-lhe vida, recitá-lo para si mesmo com as palavras silenciosas da recitação interior. O mito também só vive se for contado, de geração em geração, na vida cotidiana. Do contrário, sendo relegado ao funda das bibliotecas, imobilizado na forma de textos, acaba se tornando uma referência erudita para uma elite de leitores especializados em mitologia. (O universo dos Deuses — Jean-Pierre Vernant)

O livro é um convite a um encontro secreto que se dá no lugar mais sagrado que há, a nossa intimidade. Quando abrimos um livro, abrimos um mundo novo. Abrimos um espaço na mente para novas palavras, imagens e ideias. Criamos uma realidade própria, passeando com o olhar pelas páginas. (Coletivo do leitor: Dia Nacional do Livro — 29/10/2020)

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