escuta da crianca

Estudos recentes da biologia revelam que as plantas e cogumelos de uma floresta trocam informações e substâncias numa gigantesca rede subterrânea de raízes e micélios (as raízes dos fungos). As pesquisas mostram que abaixo de cada floresta existe uma complexa teia de raízes, fungos e bactérias ajudando a conectar árvores e plantas umas às outras. Essa rede social subterrânea, com quase 500 milhões de anos, é conhecida como Wood Wide Web, designação inglesa para a “rede da madeira”.

Auxiliados por algoritmos de Machine Learning (inteligência artificial) e utilizando o banco de dados da Global Forest Initiative, coletados por meio de observações diretas de 28.000 espécies de árvores florestais e suas associações simbióticas no solo, os pesquisadores puderam construir modelos para visualizar essas redes de fungos. Os estudos mostram como é que certos tipos de organismos vivem em algumas partes do mundo e ajudam a entender como funcionam os ecossistemas globais, o que permite descobrir como conservar e restaurar diferentes tipos de ecossistemas.

Aproveitamos essas contribuições da biologia, aliada à tecnologia de base computacional, para considerar o quanto podemos usufruir da ciência que se coloca à escuta das múltiplas linguagens por meio das quais a vida se manifesta. Os estudos científicos partem de uma pergunta, de uma dúvida ou de um problema que podemos entender como endereço: a tarefa do cientista consiste em buscar caminhos que levem a esse endereço. A questão a ser resolvida nasce da observação, ou seja, da escuta do que está lançado a nossa frente: funciona como a coleta de dados. A escuta é feita pelos sentidos que, ao longo da história, foram sendo prolongados por meio das tecnologias que fomos inventando.

Assim como o mapa global dos fungos abaixo do solo nos ajuda a entender como funcionam os ecossistemas globais, uma ressonância magnética do cérebro nos ajuda a entender seu funcionamento. A tecnologia de base computacional funciona como prolongamento do cérebro, nos ajuda a transformar dados em informações e nos permite mergulhar nas infindáveis redes de interconexões do universo. É hora de lembrar que nosso cérebro funciona porque está em um corpo vivo, munido de sentidos. Em outros termos, os dados que chegam ao cérebro são coletados pelos sentidos — quando nos colocamos em atitude de escuta.

A pandemia pode ser vista como um fenômeno da natureza, esta sábia senhora que nos convida a dar algumas paradas nas infindáveis estradas que percorremos, nos inumeráveis rios que navegamos ou nas muitas montanhas que escalamos. Em uma era em que o tempo e o ritmo das máquinas dominam e ditam o dos seres humanos, acende-se a luz de alerta indicando que o combustível está acabando, que é preciso reduzir a velocidade ou, mesmo, estacionar. Nessas pausas, podemos respirar fundo e repensar nossas práticas, nossos endereços. Elas se configuram como oportunidade para nos colocarmos à escuta de nossa casa comum e de todos os seres que a habitam.

Nessa tarefa de escuta e comunicação com a vida, encontramos nas crianças boas fontes de inspiração. Elas têm grande potencial de escuta, o imenso privilégio de não se apegarem excessivamente às próprias ideias e são capazes de construir e reinventar novos sentidos. À semelhança do cientista, as crianças são naturalmente levadas a explorar, fazer descobertas, mudar seus pontos de vista e se apaixonar por formas e significados. Essa andança desafiadora faz com que as crianças se transformem e busquem transformar os espaços onde convivem.

Na convivência com as crianças, temos possibilidade de nos colocar à escuta de seus diferentes modos de aprender. Isso nos permite observar a aprendizagem como processo de descoberta e de expressão de significados. Em outros termos, aprendizagem e linguagem andam juntas. Em suas experiências diárias, as crianças se mostram capazes de atribuir significados por meio de atos mentais que envolvem planejamento, coordenação de ideias e abstração. Como processo, a descoberta ou construção se caracteriza como algo em permanente evolução, condição que nos deixa perceber que os significados não são estáticos, unívocos ou finais. Eles sempre geram outros significados, expressos através de múltiplas linguagens.

Nesse processo de escuta, que está na base da comunicação, o papel central dos adultos — na família, na escola e na sociedade — é ativar, especialmente de modo indireto, as competências de criação de significados nas crianças como base de toda aprendizagem. Em ambientes adequados, cabe aos adultos “tentar captar os momento certos e achar as abordagens certas para unir, em diálogo frutífero, seus significados e suas interpretações com os das crianças”.

Ainda nesse processo de escuta entre adultos e crianças, é necessário “dar tempo ao tempo”. Cada um de nós aprende em seu próprio ritmo e os adultos precisam se distanciar de soluções rápidas e temporárias, evitar responder apressadamente, na tentativa de exigir respostas previamente idealizadas. Quanto mais resistimos à tentação de classificar as crianças e nos libertamos de respostas prontas, mais aptos nos tornamos para alterar nossos planos e oferecer alternativas, sentidas por meio da escuta.

Terminamos com as inúmeras dúvidas e questões das crianças, flagradas por Manuel de Barros em Memórias inventadas: a infância, obra editada em 2003:

Mas não será fácil ser criança.

Há ilimitadas coisas para suspeitar e muitas para adivinhar.

As cores trocam de nuances, as nuvens se movem sempre,

os sons trocam de tons, o dia se faz noite,

as estrelas dormem com a luz do sol, as chuvas caem do nada,

a curiosidade pela língua dos animais,

o trajeto incontrolável do tempo e o vazio vão até o muito longe.

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