Quando a arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) chegou ao local da antiga fábrica do bairro Pompeia, encarregada pelo Sesc de criar ali um cento cultural para a cidade de São Paulo, descobriu que o lugar já estava sendo usado por vários times de futebol locais, que moradores da região vinham fazer churrasco ali nos fins de semana e que grupos de dança se reuniam ali todas as semanas.

Inspirada por esse uso improvisado, Bo Bardi disse a sua equipe que ‘o que queremos é precisamente manter e ampliar o que encontramos aqui. Nada mais!’… Ela procurou construir um lugar para o lazer, que facilitasse quaisquer atividades que os visitantes quisessem, fossem banhos de sol ou concertos de jazz… Lina apelidou o Sesc Pompeia de sua “Cidadela da Liberdade”.

Na esteira dessa abordagem democrática de organização de espaços, podemos pensar em espaço educador, um espaço onde se encontram crianças e adultos. É um espaço que se assemelha a um ecossistema, um conjunto formado pelos seres vivos e pelas relações que eles têm entre si e com o espaço onde vivem. Nascido com todas as capacidades de se relacionar com o ecossistema, o ser humano é naturalmente social. Cabe, pois, a um espaço educador  abrir oportunidades para que essas capacidades se desenvolvam. Desse modo, um espaço educador “não é um recipiente para a vida mas uma ferramenta que permite que a vida floresça”.

Quando, crianças e adultos, estamos dentro de um espaço educador, o ambiente é humano; sentimos que fazemos parte dali! É um ecossistema diversificado, estimulante e acolhedor, onde cada habitante faz parte de um grupo, ao mesmo tempo em que tem espaços de privacidade para que possa obter uma pausa dos ritmos gerais. A arquitetura, como dizia Lina, não é a criação de um único designer autor – ela é inventada novamente a cada vez que alguém ‘sobe uma escada, se apoia em um parapeito, ergue a cabeça para olhar ou quando fecha uma porta ou se levanta’.  Há um respeito pelo outro, uma disposição para ouvi-lo: uma estratégia de atenção. É um local sereno, agradável e sociável.

Um espaço educador é um ambiente caracterizado pelas relações que consegue estimular e possibilitar: a qualidade de um espaço relacional deriva de uma maneia de enxergar, ler, estudar, interpretar a realidade e de representá-la com consciência crítica. Ele se caracteriza como espaço em construção e está na base de um ambiente rico em informações, sem regras rígidas. É um todo formado de identidades diversas, identidades essas com percepções em comum, em harmonia com um conjunto de valores e referências que guiam cada escolha, sugerem um processo de aprendizagem e realizam um projeto de vida.  

Sob essa perspectiva, é possível criar espaços educadores diferentes dos tradicionais e pré-fabricados: espaços que sejam mais agradáveis e flexíveis, menos rígidos, mais acessíveis para infinitas experiências. O ambiente é visto “não como um espaço monológico, estruturado de acordo com um padrão formal e uma ordem funcional, mas como um espaço no qual dimensões múltiplas coexistem, até mesmo as opostas”. É criado um ambiente híbrido no qual o espaço adquire forma e identidade através das relações. Assim, em um espaço educador, o aspecto predominante é o conjunto de relações que ele possibilita, as várias atividades especializadas que ali podem ser realizadas e as propostas de informação e cultura que podem ser ativadas nesse espaço.

Resultado de muitos fatores, a qualidade de um ambiente é influenciada pelas formas dos espaços, por sua organização funcional, e pelo conjunto completo de percepções sensoriais (iluminação, cor, condições acústicas e microclimáticas, efeitos táteis). A mais disso, vale observar que não existe uma lógica comum que abrange a administração de todas estas percepções. Em outros termos, “preferências por cor, toque, odores e iluminação variam de indivíduo para indivíduo, e são altamente influenciadas por diferenças subjetivas que não podem ser atribuídas a valores-padrão comuns a todos”. Dito de outra forma, soluções unívocas padronizadas não podem ser utilizadas para todos.

Um espaço educador deve ser visto como um local multissensorial, não apenas por ser rico em estímulos, mas por ser rico em valores sensoriais diversos para que cada indivíduo possa adquirir consciência de suas próprias características de recepção. A multissensorialidade, também chamada de sinestesia,  é “a riqueza das experiências sensoriais, a investigação e a descoberta usando seu corpo inteiro”. Essa navegação sensorial  “exalta o papel da sinestesia na cognição e criação, fundamental para os processos de construção do conhecimento e de formação da personalidade”. Vários estudos mostram que “o estado sinestésico é a condição de vida típica da plasticidade sensorial das crianças pequenas”.

A biologia nos mostra que nascemos com uma capacidade genética enorme que nos permite explorar, discernir e interpretar a realidade através de nossos múltiplos sentidos. Pesquisas neurobiológicas têm demonstrado claramente o coprotagonismo dos sentidos na construção do conhecimento e na memória individual e coletiva. Isso quer dizer que um ambiente não estimulante tende a diminuir e, mesmo, a perturbar nossas percepções. Tal condição humana sugere que espaços educadores devem ser capazes de contribuir para fomentar as percepções sensoriais a fim de desenvolvê-las e refiná-las.

Inserido em uma comunidade, o espaço educador é construído pela comunidade – adultos e crianças. Os conceitos de construção e cooperação caracterizam a identidade de um espaço educador como um todo e respondem pela geração de mecanismos de ética que definem valores e determinam a natureza das relações entre os que nele habitam. A comunidade traz o sentido de compartilhamento, sociabilidade, prazer e bem-estar, fazendo brotar o sentimento de pertencimento em todos os envolvidos. Tanto as crianças quanto os adultos têm a necessidade de pertencer a um grupo social, de comparar ideias e de compartilhar experiências com os outros.

Vale insistir que, no centro do projeto de um espaço educador, sempre está o sujeito – adulto ou criança – em relacionamento, capaz de construir seu próprio aprendizado. É na troca e na relação com os outros que conseguimos conhecer o mundo, fazer perguntas, formular hipótese e teorias para explicar fenômenos ou para comunicar ideias e sentimentos. Por meio da ação e da reflexão, “a aprendizagem ganha forma na mente do sujeito e, por meio da representação e da troca, torna-se conhecimento e habilidade”.

Terminamos com parte de uma entrevista dada à Folhinha por Rita Carelli, atriz, diretora, ilustradora e escritora. Rita escreveu o livro “Amor, o Coelho” (selo o.Tal, editora Caixote, 40 páginas, R$48,00 em pré-venda no site oficial).. Nesta entrevista, fala deste coelho e de como o amor pode se parecer com esse bichinho fofo e arredio.

Quando o amor não está vestido de coelho, qual a aparência você acha que ele tem?

Acho que o Amor é meio mago, meio bruxo, então ele vive mudando de aparência e, por isso, nunca sabemos direito quando e onde vamos encontrá-lo. Às vezes a gente tá de bobeira, meio parado e, quando se dá conta, quem estava ali o  tempo todo, bem do nosso lado, era o Amor e a gente não tinha nem notado! Outras vezes, não sei se ele sai atrasado e se esquece de vestir a fantasia, trombamos com ele e já tá na cara: é o Amor.

O que é o amor, no geral, na sua opinião?

O amor é o sal da vida, né? E o açúcar também, a pimenta… (eu adoro pimenta!). É o que dá gosto nas coisas e deixa a gente com vontade de levantar de manhã. Pode ser até um amorzinho tipo: amo tomar café quando acordo. Amor é o que faz cosquinhas na sola do pé da gente quando encontramos alguém de quem gostamos muito. Que faz a gente querer rodar o mundo, mas também que dá aquela vontade de chegar logo em casa quando está voltando.

Uma casa é melhor ou pior com o Amor?

Não precisa nem dizer, né? Uma casa sem Amor é uma toca, nem casa é… Eita! Se bem que pode muito bem ter Amor escondido na toca e a gente nem saber, a gente pode achar que tá sozinho, e o Amor tá bem ali, junto de nós.

(Marcella Franco – em Folhinha, 05 de junho de 2021.)

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