criando raizes

No estudo de botânica, encontramos duas palavras usadas para designar tecidos condutores de seiva. Um deles é o xilema (vem do grego xylon, que significa madeira ou lenho) e tem como função fazer circular a água com os sais minerais dissolvidos — seiva bruta — desde as raízes até as folhas. O outro tecido, denominado floema ou líber, é responsável pelo transporte da seiva elaborada — já com as substâncias produzidas nos órgãos verdes — desde as folhas até as demais regiões da planta.

Floema vem do grego phloos, que significa casca. Líber, na mitologia romana, corresponde a Baco, o deus grego que cuida das vinhas e preside o crescimento dos seres vivos. Como entrecasca de uma árvore, o líber era usado para a escrita , antes da descoberta do papiro. Liber está na origem de vários termos como, por exemplo, livre, liberdade e livro. Desde a invenção da escrita, o livro se tornou meio de comunicação entre os humanos e, em muitas civilizações, se prestou, e ainda se presta, a distinguir livres e escravos.

Xilema e floema são canais de comunicação das plantas com o meio ambiente e, por extensão com o universo. Constituintes do sistema vascular da planta, são os tecidos responsáveis pelo transporte e distribuição de substâncias ao longo do vegetal. Essas substâncias (água e sais minerais) são absorvidas pelas raízes e levadas até as partes verdes, onde são processadas e transformadas em compostos orgânicos que alimentam a planta. Todo esse processo conduz a planta a se expressar por meio das flores, a poesia dos vegetais, e a produzir frutos, promessa de continuidade da vida.

Usamos essa andança pelo mundo das plantas vasculares para estabelecer algumas semelhanças entre vegetais e humanos, quando olhados sob a perspectiva da comunicação com o ecossistema onde habitam. Temos presente que a raiz da palavra comunicação vem de comunidade, comunhão. Em consequência, comunicação supõe, por natureza, complexidade e, portanto, diversidade.

Desde as origens, os seres humanos se organizam em comunidades, exploram o lugar aonde chegam e o modificam de acordo com suas necessidades de sobrevivência. À medida que constroem seu lugar de morar, os humanos transformam o mundo e, nesse transformar, eles próprios vão se transformando. Nasce dessa comunicação com a Terra a certeza de pertencimento e a percepção da necessidade de cuidar, fundamentos da instituição de uma pátria. Nesse sentido, ser apátrida significa perder o senso de pertencer e de cuidar.

O lançar raízes em um lugar permite que os humanos criem um modo próprio de viver. Assim, a partir do cultivo de um pedaço de terra, nasce a cultura dos grupamentos humanos. Resultado da ação do homo sapiens, espécie capaz de elaborar raciocínios abstratos, dominar a linguagem, resolver problemas complexos e compor obras de arte, cada cultura se manifesta através de múltiplas atividades tradicionais como conversas e contações de histórias, músicas e danças, artes e tecnologias. São textos gravados no solo, expressões culturais que revelam a sabedoria de um povo, construída em torno de valores e crenças.

Dentre as características da atual ordem mundial, produzida por uma economia globalizada, aparece a tendência a monopolizar o conhecimento e impor uma forma uniforme de cultura no mundo. Essa onda de monocultura cultural está cada vez mais presente e intensa em sistemas e organizações que buscam reduzir os seres humanos e outras comunidades bióticas da Terra a “meros acessórios econômicos”. Embarcar nesse mar, pode nos levar à perda de nossas raízes culturais e, com isso, comprometer nosso crescimento como sujeitos que experimentam a própria história. À exemplo da planta, que bebe da terra seus nutrientes e nela aprofunda raízes que a sustentam, dependemos da casa onde primeiro moramos e ensaiamos nossos primeiros passos.

A monocultura chega até nós pelos meios de comunicação. Nascidas para democratizar a informação, as redes sociais, muitas vezes, se dedicam a informações falsas e, com isso, vêm se transformando “na vilã mais poderosa da atualidade”. Para a jornalista e psicóloga, Katia Rubia, a mentira tornou-se não a verdade que se esqueceu de acontecer, como assim a definiu o poeta Mário Quintana, mas a maneira sórdida de se conquistar o que a incompetência impede de se ter pelas vias moralmente aceitas e defensáveis.

A estratégia utilizada pelos meios de comunicação consiste, basicamente, em dividir o conhecimento em fragmentos isolados de informação. Os telejornais, por exemplo, são organizados em forma de manchetes e nos ensinam a lidar com problemas complexos a partir da divisão desses problemas em partes desassociadas de qualquer estrutura maior ou análise. Também alguns programas televisivos, que variam de trinta a sessenta minutos, tendem a lidar com simples problemas que podem ser resolvidos rapidamente, evitando assim qualquer forma de problema mais complexo.

Essas formas de entretenimento, entrecortadas de propagandas, podem causar falta de visão ampliada e nos habituar a perceber a ordem imposta pela monocultura cultural como algo normativo. Elas nos enchem de informações e, não raro, nos desviam do conhecimento real. Essa é uma das razões que nos permitem insistir na prática da leitura exploradora de textos escritos ou apresentados por meio de obras de arte. Ela se mostra como criadora de anticorpos que nos protegem dos muitos vírus espalhados com extrema rapidez pelos meios de comunicação, tão importantes e, por vezes, tão mal utilizados.

Por meio da leitura podemos desenvolver nosso gosto estético e nos tornarmos capazes de apreciar as mais diversas produções artísticas e culturais, considerando suas características locais, regionais e globais. Deste modo, podemos mergulhar nossas raízes na diversidade cultural e encontrar nutrientes que nos possibilitem construir e reconstruir nossos próprios saberes.

Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?

Onde está o conhecimento que perdemos na informação?

Onde está a informação que perdemos na distração?

(O Tao da Libertação — Mark Hathaway e Leonardo Boff)

Se você Gostou, Compartilhe!

Iniciar Conversa
1
Você tem 1 mensagem não lida
Olá, estamos aqui para te ajudar. Inicie uma conversa conosco.