Para brincar de Lego, recebemos uma caixa com peças. Entre essas peças, escolhemos algumas e, com as escolhidas, montamos um objeto (carrinho, casa, avião, sítio). Podemos compor inúmeros brinquedos, dependendo do número de peças contidas na caixa que ganhamos.
A palavra LEGO, de acordo com dicionários, deriva de três verbos latinos, cada um com significados distintos. Um deles é legare que se traduz como legar. Assim, LEGO significa legado ou, se preferirmos, “eu lego” que indica “eu deixo um legado ou uma herança”. Vem daí, também delegado, indivíduo incumbido de fazer algo no lugar de alguém. Delegado é, pois, representante, embaixador, deputado, substituto.
O segundo verbo é legere que significa ler. Com esse sentido, LEGO é lido ou “eu leio”. Desse mesmo verbo vem eleger, que traz a ideia de escolher. Com este significado, LEGO é escolhido ou “eu escolho”. Na prática usamos ler com diversos significados como, por, exemplo, examinar, analisar, estudar, pesquisar (seguir as pegadas) e investigar (procurar os vestígios).
Por último, a origem de LEGO está no verbo ligare que traduzimos como ligar. Vindo de ligare, LEGO significa ligado ou “eu ligo”. Com ligar, formamos outros termos como, por exemplo, religar, religação e religião, todos eles indicando conexão, relação, interação ou encaixe entre partes. Dessa ideia de ligar vem a justificativa ou o objetivo de ler: lemos com o objetivo de fazermos a ligação entre as peças e destas com o imaginado. Podemos chamar esse processo de assimilação, processo de tornar semelhante.
Com esse latinório na cabeça, vamos examinar o que fazem os personagens no jogo de LEGO. Começamos com o criador do brinquedo: ele imagina ser bom brincar de montar e desmontar um objeto. Para isso quem for brincar precisa ganhar uma caixa com peças, muitas peças. Na caixa ou dentro da caixa vem um projeto mostrando uma ou várias sugestões de objetos ou imagens que podem ser formados. Serve de roteiro ou mapa de como usar as peças a fim de montar ou produzir o objeto.
O primeiro ator é o criador do brinquedo. Ele entrega a caixa de peças para quem vai brincar, pode ser pessoalmente ou por um intermediário. O segundo ator, depois de ganhar a caixa, observa ou idealiza o objeto que vai construir. Uma vez definido o objeto, escolhe as peças necessárias para construir o objeto. Examina cada uma das peças escolhidas e as vai ligando, seguindo o projeto. Nessas ações, concretiza o imaginado pelo criador.
Às vezes, o jogador precisa da ajuda de alguém para montar o brinquedo. Entra aí um terceiro personagem que tem várias denominações, tais como, por exemplo, mestre de obras, instrutor, professor, gestor e coach (do inglês to coach que significa treinar, preparar ou ensinar). Todos esses são ajudantes e não substitutos do jogador.
Esse modo de construir um objeto pode ser chamado de Metodologia LEGO. Ela se aplica a qualquer construção. É metodologia lúdica porque se assemelha a um jogo, É metodologia construtivista porque supõe que é o construtor que constrói. É uma metodologia de ajuda porque o construtor pode contar com ajudantes.
Suponhamos, por exemplo, que alguém receba de presente uma caixa cheia de letras. Seguindo a metodologia LEGO, vai idealizar uma palavra. Paulo Freire sugere que se escolha uma palavra do contexto como, por exemplo, TIJOLO, se quem vai brincar costuma mexer com tijolo. Na caixa de letras, o jogador vai procurar as letras de que precisa. Organizadas, essas letras viram a palavra TIJOLO.
Podemos organizar essas letras de muitas outras maneiras e, assim, montar novas palavras. Na metodologia de alfabetização de Paulo Freire, depois de montar a palavra geradora, pegam-se as vogais. Com elas, é possível construir sons e começar a compor frases. É famoso o caso do alfabetizando que, depois de trabalhar com o tijolo e receber as vogais, com brilho nos olhos e a alegria de resolver um problema, escreveu: TU JA LE. A finalidade da alfabetização é dar voz às pessoas: transformá-las em autoras, aqueles que falam ou escrevem ou agem com autoridade.
Esse processo de alfabetização é construtivista, não apenas por falar de tijolo, mas, essencialmente porque é o assentador de tijolos quem constrói: ele transforma o tijolo em moradia. Podemos dizer que “à medida que transformamos o mundo, nós próprios nos transformamos” ou “à medida que construimos, nós mesmos vamos nos construindo”.
O mais genial dos mestres, Jesus de Nazaré, aquele que muitos consideramos o Mestre, dizia “vocês são o sal da Terra”. Um jeito simples de dizer “o que salga não é o saleiro, mas o sal que está dentro”. Usando nosso modo complicado de falar: o saleiro é o objeto (o que vemos por fora), o sal é o sujeito (o que está por dentro): o sujeito que salga é o sal, não o saleiro. O Nazareno dizia, também, “vocês são a luz do Mundo”. Em nossa vã filosofia, dizemos “vocês é que dão significado ao Mundo” e, em nossa sala de aula invertida, “o centro da sala de aula é o aluno” ou “o aluno é o sujeito da aprendizagem”.
Na tecnologia, costumamos falar que a máquina sai de fábrica carregada de conhecimento, um modo engenhoso de dizer que o conhecimento, feito competência, é o sujeito que constrói a locomotiva. Assim, também, é o conhecimento que escolhe a linha a ser cortada para fazer o dínamo funcionar. De modo complicado: o conhecimento incorporado, vestido de engenheiro, constrói a locomotiva. Também dizemos que “o engenheiro se mostra na locomotiva” ou, generalizando, “o criador se mostra em sua criatura” ou, ainda, “o artista se mostra em sua obra”. Desse modo, a criatura é a imagem do criador ou a obra é a imagem do artista. De maneira poética, “o que vemos não é o que vemos, senão o que somos”. Quando os pais educam os filhos, parecem movidos pela certeza de que “cada filho ou filha poderá ter a cara dos pais”.
Na metodologia LEGO, antes de começar a montar o objeto, examinamos bem as peças. Querer montar o objeto, sem antes examinar as peças, é o mesmo que tentar resolver um problema, sem antes analisar os dados. Tal procedimento é comparável ao de quem “calça os sapatos, antes de calçar as meias”. Aplicada à construção de conhecimento, essa metodologia defende que, antes de formar frases, precisamos conhecer o significado das palavras. Caso contrário, nada mais seremos do que repetidores, semelhantes a ventríloquos ou papagaios.
Usar determinada metodologia tem como finalidade desenvolver capacidades. No caso dos humanos, precisamos desenvolver as cem capacidades da criança. Levada para a construção do conhecimento, pretendemos desenvolver as capacidades que nos ajudam a perceber, interpretar e compreender. Como para perceber usamos os sentidos, precisamos desenvolver nossas capacidades de sentir, nossa sensibilidade. Como interpretamos por meio da inteligência, precisamos desenvolver nossas múltiplas inteligências. Inteligência (inteligência artificial) é o objeto de desejo de quem trabalha com algoritmos ou objetos inteligentes. Por fim, como compreendemos por meio da imaginação, precisamos investir no desenvolvimento da imaginação. É ela que nos torna artistas!
Terminamos com um pequeno texto que separa a peças do objeto de desejo dos filósofos.
O Oráculo de Delfos é um templo construído em homenagem ao deus Apolo, deus da luz, das profecias e da verdade, em Delfos, cidade situada na região central da Grécia. Na entrada do Oráculo de Delfos está a mensagem: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás todo o universo e os deuses, porque se o que procuras não achares dentro de ti mesmo, não acharás em lugar algum.” O filósofo Sócrates adotou essa mensagem como um dos pilares de sua filosofia. Filosofia é a arte de se tornar amigo da Sophia que significa, literalmente a dona da sabedoria. Ser filósofo é ter como objeto de desejo a Sabedoria. Assim, para Sócrates, o portão de acesso ao caminho da Sabedoria é o “Conhece-te a ti mesmo”.
LEGO DA SABEDORIA
SABER é peça identificada como conhecer, se verbo, ou conhecimento, se substantivo.
SABOR é peça que dá gosto, funciona bem como tempero e ajuda na temperança.
DOR é peça que faz o viajante sentir cansaço e vontade de parar.
RISO é peça que aparece em cada estação e vai ficando cada vez maior.
DOSE é peça da medida certa que regula o andar: nem depressa e nem devagar.
Usando essas peças, é possível ir montando o caminho da vida
E, assim, ir aprendendo a viver com SABEDORIA.